Carta do editor

Há mais de 30 anos Eloar Guazzelli vem desenhando uma cidade que existe entre sua imaginação e folhas de A4 – emendadas, elas já passam de 30 metros.  É em torno de uma amostra dessa “Cidade nanquim” que a serrote explora a complexidade de cidades bem reais em tempos turbulentos. ¶ Centro do poder, Brasília é o ponto de vista de Ilana Feldman para um retrato inquietante da vida sitiada, até nos sonhos, pela extrema direita e pela pandemia que já matou mais de 500 mil brasileiros. ¶ Bruno Paes Manso vai à Zona Oeste do Rio de Janeiro para entender, na organização do crime local, a inspiração miliciana de uma nada fantasiosa República Federativa de Rio das Pedras. ¶ No início do século 20, a então capital federal produziu coisa bem melhor, uma sofisticada cultura popular que, sublinha Rafael Cardoso, é inseparável do legado elitista do modernismo. ¶ Foi ainda em terras cariocas que desembarcou parte significativa dos 4,8 milhões de escravizados sequestrados pelo tráfico transatlântico. A longa e brutal vigência do comércio humano está, para Ynaê Lopes dos Santos, na raiz de nosso racismo, e é nos laços de resistência a essa barbárie que se abrem novas possibilidades de liberdade. ¶ É, finalmente, na cidade, em qualquer cidade, que segundo Otavio Leonidio està a possibilidade de se enfrentar, para valer, o controle e os abusos do Estado.

Paulo Roberto Pires