Carta do editor
Que o Brasil não é para principiantes já nos tinha advertido Antonio Carlos Jobim. O que não deixa de espantar é a atualidade e o alcance da blague do maestro, que mirou nas mazelas do país e acertou em sua complexidade, como atestam os três primeiros lugares do Concurso de Ensaísmo serrote. ¶ Ao perceber a recorrência do substantivo “sentada” e do verbo “sentar” nas músicas mais tocadas do último ano, Igor de Albuquerque trocou preconceito por curiosidade: nas letras de duplo sentido, identificou ecos de Aretino; do universo machista do agronejo, viu sair mulheres empoderadas. ¶ Guilherme Moraes, segundo lugar no concurso, examina como o alardeado conformismo pátrio, que parece reforçado sob o governo da extrema direita, é cevado num caldo de religiosidade, consumismo e repressão. ¶ Em 1979, em plena ditadura, a disposição era bem outra, lembra Guilherme Benzaquen, que no ensaio premiado em terceiro lugar rememora uma corajosa greve dos canavieiros para lembrar o valor, inestimável, da sublevação. ¶ Se, como demonstra Nadia Urbinati em longa e esclarecedora análise, a democracia corre riscos em todo o mundo com a emergência dos populismos, Denise Ferreira da Silva e Claudio Medeiros examinam, por caminhos diferentes, como o debate sobre direitos civis e cidadania não pode prescindir de seu componente racial. ¶ “O ensaio vibra com a tensão daquela luta entre pensamento e vida”, escreve Vilém Flusser. E os autores aqui reunidos só o confirmam neste outubro de 2022, mês e ano em que o Brasil renovou nas urnas seu compromisso com a liberdade e a cidadania.
Paulo Roberto Pires