Carta do editor
A concepção da arte e da política como instâncias de transformação, do mundo e de seus fundamentos, une os vencedores da quarta edição do Concurso de Ensaísmo serrote. ¶ Poeta nascido em Feira de Santana, Rodrigo Lobo Damasceno mostra como esculturas em couro, metal e madeira de Juraci Dórea, instaladas em sua região, interrogam um modelo perverso de desenvolvimento. Vinícius da Silva chama de “barricada” um complexo de gestos e reflexões que fundamentam ações políticas mobilizadoras de identidades não codificadas. Morto há 25 anos, João Antônio é o guia de Gabriel Campos numa deambulação por São Paulo que retraça o vínculo entre o autor de Malagueta, Perus e Bacanaço e a literatura marginal. ¶ O Brasil de hoje e seus sobressaltos são interpelados ainda por Aparecida Vilaça, Sidney Chalhoub e Rodrigo Toniol. Para a antropóloga, a vida de Karapiru, indígena que sucumbiu à covid depois de sobreviver a massacres e perseguições, reflete o destino dos povos originários. Autor de Cidade febril, Chalhoub esquadrinha a resistência à vacina em momentos graves de combate a pandemias através da história. Especialista em religião, Toniol analisa a fabricação, pelo bolsonarismo, de uma identidade judaica distorcida e conveniente a seu projeto político. ¶ Sendo uma das funções do ensaísmo fazer perguntas inconvenientes, a provocação de Acauam Oliveira ecoa por toda a revista e, é claro, além dela: “Por que os negros daqui não se revoltam como os de lá?”.
Paulo Roberto Pires