Carta do editor
No Brasil de 2021, tenta-se reescrever o passado para acomodá-lo à ideia de país racista, violento e desigual que se gostaria de perpetuar. Para a frustração de fascistas de ontem e de hoje, a mentira muitas vezes repetida não se torna verdade, mas evidência de barbárie, prova que incrimina seus perpetradores. ¶ É à base de expurgos e falseamentos que se constrói uma sociedade branca, autoritária e excludente, mostra Wlamyra Albuquerque no ensaio que abre esta edição, precedendo a memória nítida de dois momentos de horror: a censura do apartheid sul-africano por J. M. Coetzee e a truculência da ditadura brasileira, reencontrada por Claudius Ceccon nos desenhos em que documentou sua passagem pela prisão. ¶ A força avassaladora da História se faz ainda presente nas reflexões de Jacqueline Rose e Susanne Klengel, que se ocupam dos efeitos da gripe espanhola sobre a vida e a obra de Sigmund Freud e Mário de Andrade. ¶ A pandemia de 1918 reverbera na de 2020 como uma advertência de que o negacionismo, essa modalidade sistematizada e criminosa da mentira, costuma redundar na derrocada de seus formuladores – todos eles diretamente responsáveis, entre nós, pelos mais de 200 mil mortos em consequência da covid-19.
Paulo Roberto Pires