Carta do editor

Livre das amarras de disciplinas e métodos, a forma experimental do ensaio se adequa com perfeição a nossos tempos turbulentos. É antes a dúvida do que a certeza que orienta um tipo de reflexão e escrita em que formular perguntas é tão ou mais importante do que respondê-las. ¶ Maria Lucas, Evandro Cruz Silva e Raphael Grazziano, vencedores da terceira edição do Concurso de Ensaísmo serrote, encarnam este espírito ao abordarem com originalidade e vigor a vulnerabilidade dos corpos trans, o genocídio das populações negras e o urbanismo que acentua a desigualdade. ¶ A serrote também reúne intelectuais como Frank B. Wilderson III, Isabel Wilkerson, Juliana Borges, Ronilso Pacheco e Thiago Amparo para discutir racismo, ideias e autoritarismo entre o Brasil, a Hungria e os EUA. ¶ O machismo no mundo da arte, Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto no ano de seus centenários, Proust no mundo dos memes e uma portentosa análise do “filho-da-puta” marcam a variedade de interesses e possibilidades desta edição dupla, assim pensada para marcar um ano sem dúvida excepcional. E não exatamente pelos melhores motivos.

Paulo Roberto Pires