Carta do editor

Desqualificar a insatisfação é um dos pilares do conservadorismo. Desconsiderar um protesto como “inexpressivo”, minimizar denúncias como “exageradas” ou condenar posicionamentos como “radicalismo” têm sido estratégias recorrentes para implantar, em todo o mundo, uma abrangente agenda de conformismo. ¶ Mas onde se tenta ver poça estagnada ou mar de placidez, o filósofo Georges Didi-Huberman enxerga “futuros possíveis”, um acúmulo de pequenas insatisfações, divergências pontuais e insurreições miúdas que historicamente costumam engrossar ondas de insurgência. ¶ Foi assim em Canudos, como apontam as análises de Hélio de Seixas Guimarães e Carlos Augusto Calil – e é assim na militância obstinada daqueles que, ridicularizados como “ofendidinhos”, vêm, segundo Lucía Lijtmaer, mudando a paisagem política contemporânea. ¶ O pequeno gesto, a escrita, são, por isso, formas mais do que eficazes de resistência. Claudia Rankine, por exemplo, declara no título do ensaio que publicamos: “Eu queria saber o que os homens brancos pensavam de seu privilégio. Então perguntei.” ¶ Perguntar é o que a serrote também faz ao propor a nove intelectuais questões cruciais para o Brasil de hoje. Questões que dizem respeito ao presente e também, ou sobretudo, aos “futuros possíveis”.

Paulo Roberto Pires