Carta do editor
“A genialidade do fascismo”, escreve Toni Morrison no ensaio que abre esta edição, “está no fato de que qualquer estrutura política pode hospedar o vírus, e praticamente qualquer país desenvolvido oferece um caldo de cultura adequado.” ¶ A advertência da escritora americana, feita em 1995 a uma plateia de estudantes e professores, iria ganhar desconfortável atualidade em seu país com o governo de Donald Trump. E também no nosso depois do resultado das últimas eleições. ¶ A serrote traz de volta as sensatas palavras de Morrison porque se faz necessário, agora como nunca, ressaltar a importância de valores que até então eram dados como inatacáveis. ¶ É preciso lembrar, com Marina Garcés, que a razão é emancipadora e um dos fundamentos da liberdade. Que o feminismo é obra inacabada e permanente, desde a militância histórica de Adrienne Rich até a ficção de mulheres duplicadas flagrada por Camila von Holdefer. Ou ainda que o realismo, como argumenta Daniel Galera, parece insuficiente para retratar a realidade quando a literatura se confronta com tragédias ambientais em Fukushima, Mariana ou Brumadinho. ¶ Engajar-se é também, ou sobretudo, engajar a imaginação em tempo integral, como o faz Juan Villoro, diante da típica mesa de trabalho do escritor, ou Marília Garcia, costurando memória, prosa, poesia e ensaio no indefinível “Expedição nebulosa”. ¶ Aos que confundem mobilização com alarme ou precipitação, é preciso, uma vez mais, ouvir Toni Morrison: “Não nos esqueçamos de que, antes de haver uma solução final, deve haver uma primeira solução, uma segunda, até mesmo uma terceira”.
Paulo Roberto Pires