Carta do editor
Diz-se que o radicalismo é um dos males do Brasil de hoje. Antes fosse, seria o caso de se pensar. Em meio à algaravia de opiniões, da imprensa às redes sociais, basta apurar o ouvido para constatar que, sob estridência e agressividade, o que falta mesmo é firmeza de ponto de vista e disposição para um confronto de ideias à vera. ¶ No ensaio que encerra esta edição, A. O. Scott faz uma concisa declaração de princípios que tomo como epígrafe para esta e outras serrotes: “Nenhum crítico que se preze pode ser um apóstolo da moderação”. Exemplos não faltam nas páginas que se seguem. ¶ Na contramão da boa consciência liberal que aponta “excessos” na militância politicamente correta, a jovem professora Moira Weigel lembra como o universo do PC foi e é instrumentalizado por conservadores para simplesmente desqualificar a energia de reivindicação que ele envolve. ¶ Aos apelos ao consenso pelo consenso, Audre Lorde contrapõe a raiva, e nunca o ódio, como inseparável da militância do feminismo negro do qual ela é uma liderança histórica. ¶ Jill Lepore, historiadora, aponta as formas de controle do corpo da mulher a partir dos imbróglios envolvendo a Barbie, a mais lucrativa exploração dos modelos caricatos de feminilidade. ¶ Nesse espírito de inquietação, pedimos que seis intelectuais brasileiros passassem em revista personagens importantes da República, lembrando o papel que lhes era destinado e o que efetivamente cumprem. Entre um e outro, abre-se um cânion e, com ele, a convicção atordoante que vem da poeta polonesa Wislawa Szymborska: “O abismo não nos divide./ O abismo nos cerca.”
Paulo Roberto Pires