Carta do editor

O tempo do ensaio, defende Jonathan Franzen em “Tarde demais para salvar o mundo?”, é o momento em que se torna impossível, para quem escreve, deixar de se posicionar. É tempo de decantar ponto de vista de opinionismo, intervenção de “postagem”, aforisma de tweet. ¶ O ensaísta nasce, portanto, quando morre a tolerância do intelectual à opressão ou ao conforto dos lugares-comuns. Não é por outro motivo que Claudia Rankine inventa narrativas singulares para discutir o racismo, ou Francesco Perrotta-Bosch aponta os pontos cegos na unanimidade Oscar Niemeyer. ¶ A narrativa naturalizada sobre o Brasil sofre aqui outras fissuras sob os olhares estrangeiros de Élisabeth Roudinesco e Jacques Rancière, ela num balanço afetivo da psicanálise por estas latitudes, ele na leitura revigorante de João Guimarães Rosa. ¶ Se, a acreditar em Germán Arciniegas, a revolução é o ensaio em ação, os 50 anos de Maio de 68 lembram os limites e o vigor da sublevação nos clássicos “Arrastando-se para Belém”, em que Joan Didion flagra a desorientação lisérgica dos hippies, e “Paris na primavera”, testemunho de Stephen Spender do momento mais decisivo das barricadas. ¶ Nunca é demais lembrar, com Pedro Meira Monteiro em “A gambiarra como destino”, que, na terra arrasada do Brasil de 2018, insurreição e criatividade renascerão cada vez que se trocar isenção por comprometimento, idealização por ação. É imperativo botar a mão na massa, muitas vezes abjeta, que ameaça nos soterrar.

Paulo Roberto Pires