Carta do editor
Da análise detida de um único quadro à diatribe sobre a maternidade, o ensaio nos lembra que a liberdade é valor elementar e inegociável da vida intelectual. ¶ É da liberdade de especulação que se trata, nesta edição, quando o pintor Antonio Saura relê em texto e imagens o enigmático Perro semihundido, de Francisco de Goya. É a liberdade de expressão que a chilena Lina Meruane reafirma na vigorosa e impopular argumentação de “Contra os filhos”. ¶ Reiterar o valor da liberdade em finais de 2017 pode soar como anacronismo ou platitude. Se assim parece, é porque o Brasil de hoje exige que se reitere o óbvio, submerso que está em conservadorismo, truculência e má consciência intelectual. ¶ É preciso, por isso, dar conta do imediato, como de nossa insensibilidade aos refugiados, apontada por Rafael Cardoso. E também do perene, nas importantes leituras desimportantes comentadas por Wislawa Szymborska. Ou ainda lembrar, com Lillian Ross e seu clássico perfil de Ernest Hemingway, que o jornalismo pode ser uma grande arte. ¶ Há o tempo de refletir e o de agir. Os dois, sugere Mark Bray em “Cinco lições de história para antifascistas”, são agora. Quando nasce, lembra ele, o fascismo sempre parece tolo, inofensivo. E as reações a ele, exageradas. Diante desta paisagem turva, não custa repetir Torquato Neto, observador inquieto de seu tempo: “Você pode sofrer, mas não pode deixar de prestar atenção”.
Paulo Roberto Pires