Carta do editor

Do ensaísta espera-se que, nos passos de Montaigne, caminhe “inquiridor e ignorante”, seja por sua vizinhança ou através da História. É ele e somente ele quem define o alcance de sua empreitada, da análise de uma imagem à busca de uma expressão de identidade. ¶ As mais altas aspirações movem Germán Arciniegas e George Steiner, que encarnam, cada um a seu modo, o melhor espírito do intelectual clássico, em busca de sínteses que sabem imperfeitas, mas acreditam necessárias. Nesta edição, o polígrafo colombiano reivindica o ensaio como forma privilegiada de expressão da América e, num embate com a cultura de uma Europa unificada e pré-Brexit, Steiner defende o espírito intelectual que traduziria o continente. ¶ No avesso dessas grandes narrativas, é o espírito fragmentário do século 21 que pauta a meditação incisiva de Mark Lilla sobre o radicalismo, fantasma que também assombra, de outra maneira, o Brasil dividido pelas guerras culturais analisadas por Guilherme Freitas e vislumbradas por João Bandeira em um poema de Augusto de Campos. ¶ A urgência de reflexão também pode estar à margem das agendas mais imediatas, como na investigação de Ben Lerner sobre o status paradoxal da poesia, que para viver precisa ser atacada – de dentro, pelos poetas que pretendem renová-la e, também, pelos leitores, que não lhe dão importância. ¶ Entre o mundo secular e o religioso, o conflito da política e os ditames da moral, o ensaísta segue inquiridor e, espera-se, fazendo da ignorância e da incerteza os motores da reflexão.

Paulo Roberto Pires