Carta do editor

Se o poeta é a antena da raça, o ensaísta é seu radar. Livre, assim, da pretensão de captar e decodificar essências, resta-lhe disposição para detectar os movimentos sutis de seu tempo – e até mesmo para além dele. ¶ Premido pela montante conservadora que engolfou os eua nos anos 1980, Albert O. Hirschman pôde enxergar melhor o presente imediato com as lentes da memória, investigando como, na história, os reacionários ganharam voz própria. Para seus contemporâneos, Hirschman foi radar; para nós, premonitório no ensaio que abre esta edição falando diretamente ao Brasil de 2016, acelerado em sua marcha para o passado. ¶ Rodrigo Nunes, por sua vez, consegue identificar o funcionamento do movimento em direção contrária, mapeando os caminhos surpreendentes da contestação contemporânea, da insurreição possível e necessária. ¶ Trata-se de um amplo espectro de resistência que está nos feminismos analisados por Carla Rodrigues, no complexo jogo da identidade trans dissecado por Jacqueline Rose ou no sensível ensaio pessoal em que Djaimilia Pereira de Almeida lê o racismo e o sexismo nas volutas do próprio cabelo. ¶ Entre ação e reação, José Luiz Passos encontra em Tolstói, Graciliano e José Lins do Rego uma hipótese para o impasse em que vivemos. Rompeu-se, acredita ele, o “pacto entre desiguais”, tão claro na relação entre cães e humanos, acordo tácito, silencioso e solidário, substituído pela algaravia de radicalismos que nos abandona a todos à própria sorte. ¶ Entre a alta aspiração da antena e a atenção do radar, pode-se, quem sabe, delimitar um território crítico em que a recusa do panfleto vai de par com a disposição de não se conformar às platitudes, sejam elas da revolta ou do conformismo.

Paulo Roberto Pires