Carta do editor

Na convivência com José Carlos Avellar, coordenador de cinema do Instituto Moreira Salles, era comum a conversa errática, encavalando livros, histórias do jornalismo, os mais recentes gadgets e, claro, filmes a mancheia. Em quase seis anos de um diálogo interrompido em março último, não tive pista de que ele trabalhava, fazia tempo, num longo ensaio sobre a representação da família no cinema brasileiro recente. Passar os olhos pelos originais, enviados por sua mulher, Claudia Duarte, de certa forma atenuou a dor enjoada que se instalou ao perdê-lo.¶ As razões afetivas, abundantes, já seriam suficientes para adiantar na serrote trechos deste inédito que será publicado em livro pelo ims. Mas a estas, perfeitamente legítimas, junta-se a extraordinária qualidade do texto, burilado com mão de fino ensaísta, aquele que vai de Glauber Rocha a Louise Bourgeois, faz escala em Kafka e dá uma passada em Dois filhos de Francisco, como se referências tão díspares sempre estivessem lá, juntas, fluindo. Nada estranho se, ao passar os olhos pela serrote #8, você descobrir como ele fez encontrar Eisenstein, Picasso e Orozco em “O cavalo de três cabeças”, ensaio depois traduzido pela New Left Review. ¶ É a Avellar, com seus múltiplos interesses e invulgar capacidade de combiná-los, tornando o mundo mais inteligível e inteligente, que dedicamos este número. Nele estão, lado a lado, o Brasil em transe, a França dos imigrantes, o experimentalismo de Kenneth Goldsmith e um Sartre chapado de mescalina. Mistura que, sem dúvida, Avellar acharia perfeitamente natural.

Paulo Roberto Pires