Carta do editor
Ao tomar posse no Collège de France, o mais alto posto da universidade francesa, Roland Barthes proferiu uma antológica aula inaugural. Dela, o trecho mais citado diz que a língua é “fascista”. Prefiro, no entanto, um outro momento, em que o extraordinário intelectual, que em 1977 não completara e jamais completou o doutorado, dá a definição que lhe pareceu possível para uma obra de variados interesses: “Devo reconhecer que produzi tão somente ensaios, gênero em que a escritura rivaliza com a análise”.¶ O “tão somente” é, na verdade, o que mais importa. E Barthes, cujo centenário a serrote comemora traduzindo o inédito “Sobre sete frases de Bouvard e Pécuchet”, foi superlativo na arte do ensaio – pelas aproximações inesperadas de autores, o olhar surpreendente para temas já conhecidos, o caráter experimental da escrita e, sobretudo no final da vida, a sólida afirmação da primeira pessoa.¶ É esse espírito que rege os múltiplos caminhos reunidos neste número, da complexidade na narrativa visual de “Aqui”, de Richard McGuire, à leitura da iconografia de Lima Barreto por Beatriz Resende, passando pela maestria de Ricardo Piglia em unir história e reflexão ao analisar a passagem de Witold Gombrowicz pela Argentina.
Paulo Roberto Pires