Carta do editor

O mundo reordenado

Em “Sobre a essência e a forma do ensaio”, clássico que a serrote publica neste número, György Lukács lembra que o gênero se caracteriza por “não extrair coisas novas a partir do vazio, mas simplesmente reordenar coisas que, em algum momento, aconteceram”. É esta teoria que demonstram, na prática, os ensaios aqui reunidos, todos eles lançando um olhar renovador sobre aquilo que já se acreditava conhecer, do noticiário à História. ¶ É nessa chave que Francesco Perrotta-Bosch vai ao Templo de Salomão tentar entender a réplica da construção bíblica erguida na São Paulo do século 21 e que Bruno Simões examina o perverso compartilhamento de imagens da intimidade ou do sofrimento humano. ¶ Num momento em que a banalidade das tragédias tornou corrente o termo “genocídio”, cabe a Michael Ignatieff lembrar a história do homem que, tendo perdido a família num campo de concentração, viveu para fazer do extermínio um crime internacional. ¶ Cássio Loredano faz ver em seu verbete para o alfabeto serrote que uma linha é mais do que parece, e Joseph Epstein denuncia uma das mais terríveis ditaduras de nosso tempo, a das crianças ditas bem-educadas. ¶ Pois, como dizia Lukács, é reordenando ideias, fatos, versões e interpretações que o ensaísta exerce plenamente sua vocação.

Paulo Roberto Pires