Carta do editor
Invenção, princípio e fim
Gratuito, desnecessário e, por isso, expressão límpida da livre curiosidade intelectual, ensaio é sinônimo de invenção. O ensaísta, que não obedece a regras ou hierarquias, ao eleger um tema o inventa, inventa sua importância e pertinência. E, nos melhores casos, ao inventar o tema, inventa a forma de expressá-lo. ¶ É assim que Georg Simmel, na Berlim do início do século 20, sugere identificar o que é próprio da condição humana na criação da porta e da ponte, retirando-as do cotidiano com o olhar inquiridor de quem as vê pela primeira vez. ¶ Décadas e mundos mais tarde, em “41 falsos começos”, Janet Malcolm inicia reiteradamente um perfil do pintor David Salle para plasmar, na forma propositalmente frustrante do texto interrompido, a vacuidade de um artista que nasceu e morreu no vale-tudo do pós-modernismo. ¶ Invenção é, ainda, o traço marcante de Anne Carson, que faz de suas “Breves conferências” uma nota irônica sobre fundo e forma: seus textos contradizem o gênero a que se referem pelo inusitado dos temas e, também, ou sobretudo, pela concisão. ¶ Pois no universo do ensaio, necessariamente diverso e múltiplo, o denominador comum possível é a tal da curiosidade, posta em primeiro plano como a força vital de quem escreve e a razão de ser dos que leem.
Paulo Roberto Pires