Carta do editor
Elogios da dissonância
Só há política para valer, escreveu Jacques Rancière, quando há desentendimento. Ou seja, quando alguém que não é suposto ter voz toma a palavra sem autorização, ocupa um lugar inesperado e dá seu recado de forma pouco usual. O que vale para o engajamento assim concebido vale para o ensaio, gênero que preza mais a experimentação do que a conclusão.¶ É nesse espírito, conjugando um máximo de risco e um mínimo de certeza, que a serrote dedica um caderno especial aos protestos de junho deste ano, buscando um retrato necessariamente imperfeito das ruas por meio da superposição das vozes de intelectuais, jornalistas e manifestantes.¶ Política e estética se associam ainda de forma complexa e sofisticada na aguda leitura de Graciliano Ramos por Milton Hatoum e nas “Notas de um filho desta terra”, clássico em que James Baldwin transforma o testemunho de sua vida num petardo contra a segregação racial nos Estados Unidos.¶ A discussão sobre a liberdade, horizonte
último da política e da arte, abre esta edição com o vencedor do 2o prêmio de ensaísmo serrote. Em “A arquitetura dos intervalos”, Francesco Perrotta-Bosch faz John Cage encontrar Lina Bo Bardi no vão do Museu de Arte de São Paulo para examinarem-se as possibilidades de transformação de uma cidade. Discussão que, aliás, foi o ponto de partida para o desentendimento que será sempre o sinônimo deste Brasil de 2013.
Paulo Roberto Pires