Carta do editor
Exercícios de admiração
Héctor Abad tem encontros frequentes com Joseph Roth. Uma vez por ano, lê Fuga sem fim, obra-prima do escritor austríaco, e imagina estar sentado num café com Franz Tunda, o protagonista, que, bêbado como seu criador, conta a ele sua vida venturosa e fantasiosa.¶ É, portanto, da admiração que nasce o ensaio exclusivo que abre a serrote#11. Um tipo de admiração que não paralisa e, ao contrário, estimula a inteligência e dispara a escrita, como no perfil que Enrique Vila-Matas traça de Marguerite Duras e de sua lição fundamental: “Escreve-se para observar como morre uma mosca”.¶ Foi esta reverência criativa que em 1965 levou Duane Michals a Bruxelas para fotografar René Magritte. No pintor, o americano viu um personagem surrealista como os de suas obras e assim o retratou em um dos ensaios visuais deste número.¶ Vladimir Nabokov jamais leu Machado de Assis. Mas, se tivesse lido, o teria como referência, sustenta Brian Boyd em um ensaio tão original quanto o relato, de sensibilidade barthesiana, que Francisco Bosco faz de uma viagem ao Tibete.¶ A experiência vivida e sua elaboração também nutrem “Peregrinação”, raro texto autobiográfico de Susan Sontag, e o divertido encontro com Samuel Beckett, narrado por Harold Pinter.¶ É de admiração, dizia-se, que se fazem as muitas afinidades possíveis que percorrem a serrote#11 – e que, esperamos, encontrem correspondentes nos leitores.
Paulo Roberto Pires