Carta do editor
Olhares oblíquos
João Gilberto completa 80 anos como personagem da pequena joia do jornalismo literário que abre esta edição da serrote. Hô-bá-lá-lá, livro publicado na Alemanha em abril último, é resultado de uma reportagem que em tudo lembra o clássico Frank Sinatra está resfriado. Assim como Gay Talese fez com The Voice, o alemão Marc Fischer conseguiu um brilhante e oblíquo perfil do músico sem ser recebido por ele, retratando-o pelas marcas que deixa nas pessoas e no mundo. Para ilustrar os quatro capítulos aqui antecipados, desenhos exclusivos de Cesar G. Villela, designer que deu a cara da bossa nova nas célebres capas minimalistas do selo Elenco.¶ É de um ângulo igualmente indireto – e, por isso, mais rico – que temos o privilégio de contar com Carlos Sussekind entre os colaboradores da revista. Cultuado por uma obra literária breve e inclassificável, ele mostra, pela primeira vez sistematicamente, os desenhos e as pinturas que são parte de seu universo ficcional tanto quanto o romance Armadilha para Lamartine ou a novela Ombros altos.¶ Assim como João Gilberto pode estar inteiro em um steak no sal grosso (leiam Fischer!) e Sussekind consegue condensar um livro na figura de duas mulheres, três outros momentos da revista reafirmam a necessidade vital de reinterpretar o mundo e a cultura: Robert Longo desenha a barbárie ao reproduzir os últimos momentos do consultório de Freud antes de sua fuga de Viena, Juliet Litman mostra como o horror do 11 de setembro se integrou de forma ambivalente na literatura americana e Armando Freitas Filho revive a Ipanema da ditadura militar como a sensação de ter sido trancado no paraíso, perto do prazer e longe da liberdade.¶ A variedade e a surpresa de pontos de vista unem os temas mais diversos desta oitava edição, que reiteram em forma e fundo a ausência radical de amarras críticas, estéticas ou ideológicas – lição sempre reiterada pelo melhor ensaísmo em qualquer latitude.
Paulo Roberto Pires