Carta do editor

Temporariamente brasileiro

No texto “O cientista como rebelde”, que publicamos nesta edição, Freeman Dyson cita o caso da prisão arbitrária do matemático Chandler Davis, durante o período de caça às bruxas “comunistas” nos EUA. Davis se recusara a delatar seus colegas. Nossa editora de imagens, Mariana Lanari, entrou em contato com ele para pedir uma foto sua durante os interrogatórios e ficou surpresa quando ele respondeu a ela dizendo que era “um pouco” paulista. ¶ Em um depoimento que escreveu a pedido dela, Chandler Davis conta que seu pai, Horace B. Davis, em 1933, durante a Grande Depressão americana, recebeu um convite para dar aulas na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Ele diz que completou sete anos no navio de vinda, que viu os cafezais sendo queimados durante a recessão e que a sua primeira casa no Brasil foi uma fazenda espaçosa na então verde Freguesia do Ó (“é estranho pensar que agora a Freguesia do Ó é parte da cidade”). Depois, eles se mudaram para Perdizes. ¶ Chandler Davis lembra-se do “massudo” volume de Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, sempre aberto na mesa da sua casa, que ele folheava e fazia perguntas sobre o conteúdo. O matemático diz que seu pai foi contratado como parte do processo de educação da nova elite paulista, mas que o fato de ele ser de esquerda abreviou o tempo de sua família no Brasil. Das suas aulas públicas saiu um livro: NRA, fascismo e comunismo (Edições Nosso Livro, 1934). Ele se recorda também que sua família abrigou um jovem chamado Adão, que estava sendo procurado pela polícia por atividades políticas, e que sua casa começou a ser vista com suspeição. ¶“O emprego da Escola Livre de Sociologia e Política não foi o primeiro que meu pai perdeu por causa de seu ativismo político, e estava longe de ser o último”, diz Chandler Davis. “Nós esperávamos ficar em São Paulo e odiamos ter de partir. Embora nós não fôssemos brasileiros, nos tornamos definitivamente exilados políticos do Brasil.”

Paulo Roberto Pires